SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA Nº 0006817-48.2011.404.0000/RS RELATOR: Des. Federal VILSON DARÓS
REQUERENTE :UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO: Procuradoria-Regional da União
REQUERIDO: JUÍZO FEDERAL DA 03A VF E JEF CRIMINAL DE SANTA MARIA/RS INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR
DECISÃO
Trata-se de pedido formulado pela UNIÃO FEDERAL buscando a imediata suspensão dos efeitos da tutela antecipada deferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2008.71.02.004712-8/RS pelo Juízo Federal da 3ª Vara Federal Criminal de Santa Maria/RS.
Na ação originária, o Ministério Público Militar postula provimento jurisdicional para compelir a União, no âmbito das Forças Armadas, em todo o território nacional, a abster-se de utilizar militares subalternos (taifeiros) em atividades de cunho eminentemente doméstico nas residências de seus oficiais superiores.
A tutela antecipada foi deferida nos seguintes termos:
"DECISÃO (liminar/antecipação da tutela)
(...)
Antes de adentrar no exame dos fatos, releva fixar, desde já, a função conferida às Forças Armadas pela Constituição Federal. Opta-se por tal ponto de partida em razão do princípio da supremacia da Constituição, segundo o qual o ápice do ordenamento jurídico é a Magna Carta, a cujas disposições todos devem submeter-se.
Nesse passo, transcreve-se o art. 142 da Constituição Federal:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
O texto é claríssimo no atinente à finalidade institucional das Forças
Armadas: defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. Perceba-se que, neste aspecto, a Constituição é taxativa, não permitindo, via de consequência, destinação diversa às Forças Armadas. Em verdade, conferir tratamento estrito às funções institucionais da Marinha, do Exército e da Aeronáutica significa garantir que as Forças Armadas não sejam empregadas para fins circunstanciais ou políticos.
Sendo assim, importa verificar se as funções taxativas constitucionalmente traçadas para as Forças Armadas contemplam a utilização do serviço militar em atividades de cunho estritamente doméstico nas residências de oficiais superiores.
2.2.2 - Verossimilhança das alegações
Liminarmente, pretendem os autores seja vedado o trabalho de militares subalternos em tarefas domésticas realizadas no âmbito residencial de autoridades militares, com efeitos incidentes sobre todo o território nacional.
Adiante-se, desde já, que existem elementos comprovando os fatos narrados na inicial, os quais aparentemente ofendem diversos princípios constitucionais e infraconstitucionais e, por isso, devem ser suspensos de imediato. Nesse exame perfunctório, os fatos relatados serão conectados apenas aos princípios constitucionais explícitos do Direito Administrativo, deixando-se para o julgamento final a análise de eventual desatendimento a princípios implícitos e/ ou infraconstitucionais.
(a) Princípio da legalidade
Refere-se, aqui, à legalidade de que trata o art. 37 da Constituição Federal. Tal primado, em sua fórmula prevalente, "exprime a exigência de que Administração tenha habilitação legal para adotar atos e medidas; desse modo, a Administração poderá justificar cada uma de suas decisões por uma disposição legal; exige-se base legal no exercício dos seus poderes" (Odete Medauer, Direito Administrativo Moderno, p. 129, Revista dos Tribunais, 2010, 14ª ed.).
Ainda sobre o princípio da legalidade, prossegue a doutrinadora:
O sentido do princípio da legalidade não se exaure com o significado de habilitação legal. Este deve ser combinado com o primeiro significado, com o sentido de ser vedado à Administração editar atos ou tomar medidas contrárias às normas do ordenamento. A Administração, no desempenho de suas atividades, tem o dever de respeitar todas as normas do ordenamento (op. cit., p. 129) Conclui-se, portanto, que além de a Administração Pública estar obrigada a respaldar suas ações em dispositivos legais, ao editar atos ou tomar medidas, deve fazê-lo em respeito ao ordenamento jurídico como um todo.
Com base nessas premissas, pode-se concluir que, ao menos em tese, os fatos narrados na peça portal violam a legalidade sob dois aspectos:
(1) não possuem habilitação legal; (2) não guardam coerência com o ordenamento jurídico.
Segue explicação.
(1) Relativamente ao primeiro aspecto, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello que "a Administração não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução, resolução, portaria ou seja lá que ato for para coartar a liberdade dos administrados, salvo se em lei já existir delineada a contenção ou imposição que o ato administrativo venha a minudenciar" (Curso de Direito Administrativo, p. 109, Moderna, 2007, 23ª ed.).
Na hipótese vertente, Exército e Aeronáutica valeram-se de Portarias para "respaldar" a utilização do serviço de taifeiros nas residências de autoridades militares em atividades puramente domésticas. Tais Portarias, todavia, aparentemente não possuem base em lei (são normas autônomas), do que se pode inferir que lhes falta habilitação legal, um dos aspectos do princípio da legalidade.
Ainda que seja considerado que referidas Portarias são internas, dirigidas não ao administrado, mas aos servidores militares, mesmo assim haverá afronta à legalidade, eis que sua edição não encontra autorização no art. 87 da CF. Veja-se a redação desse dispositivo
constitucional:
Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.
Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:
I - exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República; II - expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos; III - apresentar ao Presidente da República relatório anual de sua gestão no Ministério; IV - praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República.
Perceba-se que nenhum dos incisos do art. 87 permite a edição das Portarias em questão, as quais verdadeiramente impuseram nova atribuição aos taifeiros, diversa (e contrária) daquelas previstas no art. 142 do texto constitucional.
Em relação à Marinha, vale ressaltar que sequer possuía norma interna autorizando o uso dos serviços de taifeiros para atividades domésticas nas residências de autoridades militares, muito embora o fizessem na prática.
(2) Quanto ao segundo aspecto do princípio da legalidade, gize-se que as Portarias em comento - bem como os atos concretos que lhe são relacionados - são contrárias ao ordenamento jurídico. Apenas a título exemplificativo, citam-se alguns dispositivos legais diretamente
afrontados: art. 1º, parágrafo primeiro da LC n. 97/99, art. 5º da Lei n. 6.880/1980 e art. 9º, IV, da Lei n. 8.429/92, verbis:
LC n. 97/99
Art. 1o As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Parágrafo único. Sem comprometimento de sua destinação constitucional, cabe também às Forças Armadas o cumprimento das atribuições subsidiárias explicitadas nesta Lei Complementar.
Lei n. 6.880/80
Art. 5º A carreira militar é caracterizada por atividade continuada e inteiramente devotada às finalidades precípuas das Forças Armadas, denominada atividade militar.
Lei n. 8.429/92
Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e
notadamente:
(...)
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; À evidência, existe total discrepância entre a missão das Forças Armadas (fixada taxativamente no texto constitucional e repetida na Lei Complementar e Leis Ordinárias supracitadas) e as atividades referidas na inicial desta ação, denotando, assim, a ilegalidade das condutas perpetradas pelas autoridades militares.
É necessário ressaltar, por fim, que a exata compreensão do princípio da legalidade não exclui o exercício de atuação discricionária do administrador, levando-se em conta a conveniência e a oportunidade do interesse público. O ato discricionário é praticado nos limites da lei; o ato arbitrário é contrário à lei.
Os atos em questão, todavia, não se amoldam à figura da discricionariedade, já que contrários ao ordenamento, como visto acima. Assim, ao determinar a cessação dos serviços domésticos realizados por taifeiros em residências de autoridades militares, estará o Poder Judiciário levando a efeito o controle da legalidade (e não de discricionariedade) dos atos do Administrador Público.
Portanto, não há que se falar em indevida ingerência de um Poder no outro.
Em verdade, ainda que estivéssemos diante de atos discricionários, mesmo assim não se poderia alegar que tais são imunes ao controle jurisdicional. Como bem alertou Hely Lopes Meirelles, "erro é considerar-se o ato discricionário imune à apreciação judicial, pois só a Justiça poderá dizer da legalidade da invocada discricionariedade e dos limites de opção do agente administrativo. O que o Judiciário não pode é, no ato discricionário, substituir o discricionarismo do administrador pelo juiz. Mas pode sempre proclamar as nulidades e coibir os abusos da Administração" (Curso de Direito Administrativo, p. 104/105, Malheiros, 2000, 12ª ed.).
(b) Princípio da impessoalidade
O primado da impessoalidade também está inserido no rol dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública. Odete Medauer tece as seguintes considerações a respeito:
Com o princípio da impessoalidade, a Constituição visa obstaculizar atuações geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingança, represálias, nepotismo, favorecimentos diversos (...). Busca, desse modo, que predomine o sentido de função, isto é, a idéia de que os poderes atribuídos finalizam-se ao interesse de toda a coletividade, portanto a resultados desconectados de razões pessoais. (op. cit., p.
130)
Há, nos autos, elementos indicando o benefício de determinado número de pessoas (militares do mais alto escalão) em desfavor do interesse da coletividade. Melhor explicando, a fim de possibilitar que certas autoridades militares sejam servidas em sua residência (note-se que a benesse é individualizada, em favor de pessoas ocupantes de cargos definidos), retiram-se taifeiros da organização militar, local em que realmente estariam prestando serviço à coletividade, Dito de outro modo, se os taifeiros referidos nesta ação exercessem suas atividades junto ao quartel (organizando o rancho, preparando o alimento para os demais colegas, controlando a dispensa, etc) seus serviços efetivamente estariam inseridos na função institucional das Forças Armadas, prevista no art. 142 da CF. Todavia, ao exercerem atividades eminentemente domésticas em residências de autoridades militares previamente definidas, acabam favorecendo número determinado de pessoas, em detrimento de toda a sociedade.
Vale lembrar, ainda, que os taifeiros, muito embora prestem serviço nas residências dos oficiais superiores, são remunerados, é óbvio, pelos cofres da União, o que parece ser uma forma de remuneração indireta das autoridades militares, já que não necessitam contratar empregados para a realização das tarefas domésticas.
Por fim, cabe mencionar que há indícios, nos autos, de que os taifeiros "alocados" nas residências dos oficiais têm maior dificuldade de promoção, são obrigados a realizar exames médicos mais frequentemente, além de não possuírem jornada de trabalho. Tais elementos, ao menos em tese, confirmam que, para a Administração Militar, o único objetivo de seus préstimos é servir ao superior e sua família. Melhor explicando, conquanto remunerados pela União, não prestam serviços à coletividade, o que, repise-se, configura grave afronta ao princípio constitucional da impessoalidade.
(c) Princípio da moralidade
Inserto também no rol do art. 37 da CF, tal primado é de difícil conceituação. Odete Medauer tenta delimitá-lo a partir da concepção da imoralidade administrativa. Veja-se:
Em geral, a percepção da imoralidade administrativa ocorre no enfoque contextual, ou melhor, ao se considerar o contexto em que a decisão foi ou será tomada. A decisão, de regra, destoa do contexto, e do conjunto de regras de conduta extraídas da disciplina geral norteadora da Administração. Exemplo: em momento de crise financeira, numa época de redução de mordomias, num período de agravamento de problemas sociais, configura imoralidade efetuar gastos com aquisições de automóveis de luxo para "servir" autoridades, mesmo que tal aquisição de revista de legalidade (op. cit,. p. 131).
Note-se que o exemplo citado pela doutrinadora guarda, ao que parece, certa semelhança com o caso sub judice, em que há dispêndio de dinheiro público (pagamento dos soldos dos taifeiros) para o fim único de servir militares do alto escalão.
Não releva, outrossim, a alegação de que a conduta em referência tenha previsão em norma. De um lado, porque a previsão em norma (no caso,
Portarias) não significa atendimento ao princípio da legalidade, como já explicado nesta decisão e, de outro, porque um ato pode atender ao princípio da legalidade e, mesmo assim, ser imoral.
(d) Principio da publicidade
A publicidade traduz-se em relevante pilar da democracia. Sem ela, não há controle dos cidadãos sobre o governo. Sem esse controle, o "poder do povo" perde sua razão existencial.
Na condição de premissa fundamental do Estado Democrático, o princípio da publicidade vigora sobre toda a atividade administrativa.
Fácil perceber, portanto, que a Portaria n. C-14/GM6/98, da Aeronáutica, viola frontalmente o princípio da publicidade, dado o seu status confidencial (fls. 24/26 dos autos anexos).
(e) Princípio da eficiência
Acerca da eficiência, leciona Odete Medauer:
O vocábulo liga-se à idéia de ação, para produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à Administração Pública, o princípio da eficiência determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população (op. cit., p. 133).
Neste ponto, importa novamente cotejar a missão constitucional das Forças Armadas com os fatos narrados na inicial. Ora, se a Marinha, o Exército e a Aeronáutica possuem, como precípua função, defender a Pátria, garantir os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), a lei e a ordem, torna-se evidente que a utilização de recurso humano militar no âmbito residencial das autoridades, em serviços eminentemente domésticos, prejudica a eficiência do serviço militar lato sensu. De fato, se os recursos humanos e materiais das Forças Armadas fossem integralmente empregados para o desiderato constitucional em comento, o serviço castrense seria, por motivos lógicos, mais efetivo.
2.2.3 - Periculum in mora
O periculum in mora é evidente, na medida em que os procedimentos inquinados pela inobservância aos princípios constitucionais estão em curso, despendendo recursos do erário.
2.2.4 - Reversibilidade da medida
Dispõe o § 2º do art. 273 do CPC:
§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado Ainda, prevê o § 3º do art. 1º da Lei nº 8.437/92:
§ 3° Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação.
Examinando o objeto da pretensão apresentada, não verifico, de plano, a irreversibilidade da medida. Na hipótese de cassação da liminar ou julgamento de improcedência da ação, os taifeiros poderão ser redirecionados às residências das autoridades militares, para que lá prestem seus serviços.
2.2.5 - Linhas conclusivas
Tendo-se em conta que há elementos confirmando a afronta aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, as alegações expendidas pela parte autora são verossímeis. Verificado, também, o perigo de demora e a reversibilidade da medida, há que se conceder a liminar pretendida, a fim de que as Forças Armadas deixem de fazer uso de militares subalternos (especialmente taifeiros) em tarefas de caráter eminentemente doméstico nas residências de seus superiores, em todo o território nacional.
O atendimento do pleito traz, como efeito, a suspensão da Portaria Ministerial 585/88 (Exército) e da Portaria C-14/GC-6/98 (Aeronáutica), normas internas que respaldariam, ao menos no âmbito do Exército e da Aeronáutica, a conduta atacada na presente ação.
3 - OUTRAS PROVIDÊNCIAS
Neste tópico, serão examinados os requerimentos pendentes de apreciação, não vinculados ao pedido liminar.
3.1 - Requerimentos formulados pelo MPM
O Ministério Público Militar, na inicial, formulou as seguintes postulações, relativamente à produção de prova documental: (a) requisição, ao Presidente da Câmara dos Deputados, de cópia integral da Proposição RIC-741/1991, que possui a seguinte ementa: "Solicita informações ao Ministério da Aeronáutica sobre o número e lotação de taifeiros do Ministério"; (b) requisição, à Diretoria de Avaliação e Promoções do Exército, de informações sobre a média de tempo de efetivo serviço na data de promoção dos cabos e taifeiros, desde 01/12/2004.
Posteriormente, em petição juntada às fls. 291/293, requereu fosse solicitado às Forças Armadas o seguinte: (c) dados das autoridades militares e civis pertencentes à estrutura organizacional da Marinha que tenham militares subalternos realizando tarefas domésticas em suas residências; (d) dados dos militares subalternos que realizam tarefas domésticas nas residências das autoridades supracitadas.
Os requerimentos mencionados nas letras (a), (c) e (d) foram abrangidos pelos requerimentos formulados pelo MPF, e serão a seguir analisados.
O pleito de que trata a letra (b) segue deferido, considerando sua pertinência com os fundamentos de fato expendidos na inicial.
3.2 - Requerimento formulado pelo MPF
Em aditamento à inicial (fls. 276/278), o MPF requereu: (a) alteração do valor da causa para R$ 100.000,00; (b) expedição de ofício aos Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, ao Ministro-Presidente do STM e ao Ministro da Defesa para que informem dados das autoridades militares e civis que utilizam militares subalternos em suas residências, para fins eminentemente domésticos, bem como os dados dos militares subalternos submetidos a tal espécie de atividade.
(a) O valor da causa deve corresponder ao proveito econômico buscado na demanda. O MPF, ao postular a alteração do valor atribuído à causa para R$ 100.000,00, não justificou como chegou ao montante indicado, ou seja, qual a relação entre a quantia apontada (R$ 10.000,00) e o proveito econômico buscado com a presente lide. Deverá fazê-lo, então, no prazo de 10 (dez) dias.
(b) No tangente à expedição de ofícios, a postulação segue deferida, exatamente como formulada.
3.3 - Requerimento da União
A União, na petição da fl. 280, pediu que cessem as requisições extrajudiciais, pelo MPM, de documentos e informações referentes aos fatos tratados na presente ação civil pública. Tal requerimento perdeu o objeto, em face da manifestação do MPM juntada às fls. 291/293.
Decisão
Ante o exposto, reconheço a legitimidade ativa ad causam da parte autora e, no mérito, defiro o pedido de antecipação de tutela, para determinar à União que as Forças Armadas deixem de fazer uso de militares subalternos (especialmente taifeiros) em tarefas de caráter eminentemente doméstico nas residências de seus superiores, em todo o território nacional. Em consequência, fica suspensa a Portaria Ministerial 585/88 (Exército) e a Portaria C-14/GC-6/98 (Aeronáutica).
As medidas ora determinadas deverão ser cumpridas no prazo de 90
(noventa) dias, devendo a União Federal, nos 10 (dez) dias subsequentes ao transcurso daquele prazo, informar e comprovar nos autos as providências adotadas, tendentes ao cumprimento da medida liminar, sob pena de arbitramento de multa diária.
1. Intimem-se as partes, cientificando o MPF de que deverá justificar o valor atribuído à causa (item 3.2, letra "a" supra). Descabe oficiar pessoalmente ao Ministro da Defesa, porquanto o respectivo Ministério constitui órgão da Administração Pública Direta, devidamente representada pela Advocacia Geral da União.
2. Após, oficie-se exatamente conforme requerido pelo MPM, à fl. 37, letra "g". Oficie-se, ainda, conforme postulado pelo MPF, à fl. 278, item "c" e subitens "ci" e "cii".
3. Na sequência, cite-se a ré para, querendo, contestar, no prazo de 60 (sessenta dias), sob pena de revelia (CPC 322).
4. Em havendo arguição, pela parte ré, de preliminar (dentre as enumeradas no art. 301 do CPC) ou algum fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito pleiteado, abra-se vista ao(à,s) autor(a,s,es) para réplica, pelo prazo de 10 (dez) dias (CPC, art. 327).
5. Ausentes tais alegações ou após o prazo da réplica, independentemente de aproveitamento, intimem-se as partes para que especifiquem, justificadamente, no prazo comum de 05 (cinco) dias, as provas que pretendem produzir.
Cópia desta decisão, instruída com as peças pertinentes, pode servir como mandado/ofício de intimação/citação.
Santa Maria, 27 de maio de 2011.
SIMONE BARBISAN FORTES
Juíza Federal Titular"
A Requerente defende a necessidade de serem imediatamente suspensos os efeitos da tutela deferida, sob pena de lesão à ordem administrativa.
Sustenta, em breve síntese, que nas Forças Armadas Brasileira o taifeiro é uma graduação militar bastante antiga, superior à graduação de soldado recruta. Desempenham função especializada, com atributos e treinamento específico para a atividade desenvolvida. Alegam que as atividades são prestadas somente em residências funcionais e também visam a manutenção do respectivo imóvel e a guarda/controle de seus mobiliários e utensílios domésticos. Acrescenta apontando para o fato de que a atribuição dessas atividades a esses servidores se impõe, outrossim, por medida de segurança e sigilo institucional, peculiares à vida castrense.
Pede, por fim, a suspensão dos efeitos da antecipação de tutela deferida na ação originária.
É o relatório. Decido.
No caso em tela, a União defende a necessidade de serem imediatamente suspensos os efeitos da tutela deferida, sob pena de lesão à ordem administrativa.
No tocante à suspensão, cabe salientar que o pedido deve ser dirigido à Presidência dos tribunais e está respaldada no que dispõem as Leis nºs 8.437/92, 9.494/97 e 12.016/09, que tratam da suspensão da execução da decisão concessiva de liminar, de tutela antecipada e, ainda, de segurança concedida liminar ou definitivamente.
O pressuposto fundamental para a concessão da medida suspensiva é a preservação do interesse público diante de ameaça de lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. É deferida nos casos em que determinado direito judicialmente reconhecido pode ter seu exercício suspenso para submeter-se, mesmo que temporariamente, ao interesse público e evitar que grave dano aos bens legalmente tutelados venha a ocorrer.
Especificamente sobre essa questão, trago à colação excerto do valioso artigo elaborado pela eminente Des. Federal Marga Barth Tessler, publicado na Revista do TRF da 4ª Região, Nº 54, p. 15-34:
"...
O princípio da supremacia do interesse público então, no mínimo, não pode ganhar preferência ou impor-se temporariamente sem alguma reflexão, pois, na relação entre os princípios, eles recebem conteúdo de sentido por meio de um processo dialético de complementação e limitação. Um aspecto importante a destacar é que no incidente de Suspensão de Segurança não se perquire da legalidade da sentença ou liminar hostilizada, não se pretende reformá-la antes, apenas e tão- somente, suspender-lhe os efeitos. Consequência disso é que não há necessidade de se investigar longamente sobre acerto da decisão, sua juridicidade, embora tal aspecto possa ser enfrentado como elemento de reforço na argumentação. Não pode, todavia, ser desconsiderado, em hipótese alguma, se já houve pronunciamento judicial relevante sobre a matéria. Decorre disso a peculiaridade da natureza jurídica da decisão suspensiva. ..."
Veja-se, pois, na análise do pedido de suspensão de liminar ou sentença, que os aspectos atinentes ao mérito da ação devem ser utilizados apenas em complemento à argumentação, porquanto o fundamento primordial é a ameaça de lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública.
Acrescente-se que a suspensão somente tem cabimento em situações de excepcional gravidade, vale dizer, a decisão combatida deve se mostrar potencialmente lesiva em face dos interesses públicos legalmente protegidos pela legislação de regência.
No mais, o requerimento de suspensão não comporta dilação probatória, razão pela qual o pedido deve estar acompanhado com todos os documentos pertinentes à apreciação da alegada lesão decorrente dos efeitos da medida judicial impugnada.
Fixados os parâmetros que norteiam a apreciação do pedido de suspensão, e verificados os termos da exposição feita na inicial, é forçoso concluir que há elementos que convencem pela existência da grave lesão noticiada, se mantidos os efeitos da tutela antecipada.
No caso dos autos, busca-se a suspensão dos efeitos da decisão proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2008.71.02.004712-8/RS que deferiu a antecipação de tutela determinando "à União que as Forças Armadas deixem de fazer uso de militares subalternos (especialmente taifeiros) em tarefas de caráter eminentemente doméstico nas residências de seus superiores, em todo o território nacional. Em consequência, fica suspensa a Portaria Ministerial 585/88
(Exército) e a Portaria C-14/GC-6/98 (Aeronáutica)."
Inicialmente, registro que a atividade desenvolvida pelos taifeiros não se resume a prestar serviços na residência particular dos oficiais superiores. Na verdade, essa atividade consiste em uma função muito antiga nas Forças Armadas Brasileiras e compreendem as atribuições de motorista, cozinheiro, copeiros, mensageiros, alfaiates, etc. Os serviços podem ser prestados também em aeronaves de transporte de passageiros da Força Aérea e da Presidência da República, bem como em residências funcionais. Nunca em residência particular propriamente dita, externa à área militar.
Esse, pois, o fato crucial que deve ser esclarecido neste momento, em que analisa o pedido de suspensão dos efeitos da decisão
antecipatória: a atividade de taifeiro somente é desenvolvida em residência funcional, não em imóvel próprio do oficial, como em um primeiro momento pode se pensar.
Esclarecido isso, portanto, deve-se ter presente que a atividade de taifeiro justifica-se, em um primeiro momento, para resguardar a ordem e a segurança no ambiente castrense. Como é notório, as áreas de segurança militar, incluídas aí as residências funcionais de seus oficiais e comandantes, estão localizadas junto a quartéis e bases aéreas espalhadas pelo país. Esses perímetros, por sua vez, contam com arsenais de armas e munição e equipamentos militares estratégicos à segurança nacional. O acesso muitas vezes é restrito e controlado, e para maior segurança, a entrada de civis sempre deve ser identificada.
Desse modo, a manutenção de funcionários particulares em cada residência funcional vulneraria essa necessidade de manutenção da ordem, pois permitiria o intenso trânsito de estranhos ao local, facilitando a ação de criminosos interessados em armas posteriormente utilizadas contra a população civil.
Além disso, as residências funcionais destinadas aos oficiais contam com todo o mobiliário e utensílios necessários à manutenção da família do oficial lotado na respectiva unidade. Os taifeiros são responsáveis imediatos pela manutenção, preservação e guarda desses bens que são bens públicos. Trata-se, em verdade, de uma função que cumpre o interesse público de guarda e preservação desses equipamentos que servem para estada do oficial enquanto perdurar a sua função no local.
Efetivamente, confiar a guarda e a manutenção desses utensílios a empregados particulares traria um prejuízo potencial à própria União, sem mencionar o problema da segurança acima explicitado.
Ademais, não se pode olvidar que a atuação dos taifeiros não consiste em um privilégio pessoal aos oficiais militares, e sim em uma função afeta ao cargo que ocupam em caráter temporário e que impõe a habitação em uma residência em perímetro de segurança militar.
Portanto, neste momento em que se analisa o presente pedido de suspensão da antecipação de tutela, entendo razoáveis e plausíveis os argumentos esposados pela União no sentido de demonstrar risco de dano à ordem administrativa militar.
Em face do exposto, defiro o pedido de suspensão dos efeitos da tutela antecipada proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2008.71.02.004712-8/RS.
Intime-se com prazo de 5 (cinco) dias.
Oportunamente, dê-se baixa.
Porto Alegre, 15 de junho de 2011.
Desembargador Federal VILSON DARÓS
Presidente
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TRF4 - Administrativo. Militar. SUSPENSÃO da Ação Civil Pública para compelir a demandada, no âmbito das Forças Armadas, em todo o território nacional, a abster-se de utilizar militares subalternos em atividades de cunho eminentemente doméstico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2011, 20:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências /24753/trf4-administrativo-militar-suspensao-da-acao-civil-publica-para-compelir-a-demandada-no-ambito-das-forcas-armadas-em-todo-o-territorio-nacional-a-abster-se-de-utilizar-militares-subalternos-em-atividades-de-cunho-eminentemente-domestico. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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